1 de outubro de 2011

Texto interessante.


Os riscos de uma música popular vazia

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A música brasileira vive, desde os anos 1990, quando a cultura pop (incluindo aqui desde o sertanejo/country até a axé music) definitivamente dominou o mercado de música popular brasileira, uma grande crise, que atinge desde a produção cultural, que não encontrou saídas e caminhos musicalmente relevantes desde então, até a crítica, que - opinião dos músicos, inclusive - trata muito mais de comportamento do que de qualidade musical. E, evidentemente, as gravadoras, as rádios, a TV, a máquina que gira o mercado cultural brasileiro. 
Artisticamente, desde 90, o Brasil, que vinha de uma geração de poetas como Renato Russo e Cazuza, não revelou nenhum grande compositor desde o final da década de 1990. Os mais relevantes de música popular brasileira, desde a geração de Tom até Djavan e o Clube da Esquina, eram Lenine e Guinga, muito diferentes entre si - mas extremamente originais - e que surgiram no começo dos anos 80. Na década seguinte, os mais destacados compositores vieram do Rock, com a Nação Zumbi, Raimundos e o Planet Hemp. São estes três que trazem a sonoridade e as letras mais interessantes da década, que influenciaram outras bandas contemporâneas, mas nenhum dos três se manteve: Chico Science faleceu em acidente de carro, Rodolfo Abrantes se converteu ao evangelismo, e Marcelo D2 embarcou em carreira solo. Pop.Tudo isso pra voltar em Lenine e Guinga. Lenine surgiu ainda no último suspiro dos festivais, pelo interior do Brasil nas décadas de 1980 e 1990, fez um disco com Lula Queiroga, outro elogiado álbum com o percussionista Max Suzano, e foi estourar quando no auge das FM, nos anos 90, ainda com música popular brasileira com bom espaço. E hoje voa solo como o melhor compositor de sua geração.Musicalmente, porém, Lenine vem depois de Guinga, dirão os músicos. Guinga é herdeiro direto da geração de Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, etc. É compositor e arranjador reverenciado por músicos de todo o planeta, mas absolutamente ignorado pela mídia brasileira. A primeira a gravar uma composição de Guinga foi: Elis Regina Carvalho Costa, a Pimentinha, lá nos anos 1970. Desde então, compôs pérolas, grandes canções da música popular brasileira, que ninguém conhece. Para se ter um exemplo, em São Paulo não toca nem na MPB Pop da Nova Brasil, nem no Pop descolado da Eldorado - Brasil 3000, nem na erudita Rádio Cultura. Talvez, por engano, toque na aleatória Rádio USP, e olhe lá. Dizem que ouviram uma vez na escondida mas boa Cultura AM. O paulistano sofre.Mas eu quero chegar em outro ponto: a falta de assunto e de imaginação que reina na música brasileira. Em geral, e não apenas popular. É uma crise. Faça um esforço hercúleo de ouvir, ao longo do dia, a programação das rádios de música brasileira em São Paulo. Esta nova geração da música brasileira, que toca nas FM, é desprovida de qualquer senso de qualidade artística. Letras infantis, retrato de uma sociedade adolescente, com temas que não viram a esquina e que só tratam de amor, separação, balada, ficada, tudo com uma falta de coragem ruborizante, frases incompletas, clichês passados e amassados, etc. Me lembram da época em que, beirando os 10, 12 anos, eu e meus primos compúnhamos letras baseadas nas músicas pré-gravadas em teclados da minha avó. Talvez nossas letras fossem melhores do que as que vemos por aí.Por isso, compositores, num esforço conjunto, proponham novos assuntos para a música brasileira, pelo amor dos nossos filhinhos. Tenham vergonha de usar clichês. Percam (e ganhem) tempo com isso, não se dêem por satisfeitos nunca. E por favor, aprendam a tocar seus instrumentos a fundo. O mundo é muito mais bonito além dos sete acordes da mesmíssima escala. Pensem nisso. O grande desafio desta geração é justamente retomar o caminho da canção, a fundo. Ou continuaremos a fazer uma música moderna na embalagem, e quadrada no conteúdo e só isso.Voltando à pauta, a falta de imaginação reina também quando analisamos o mercado. Hoje temos umas 10 cantoras gravando A História de Lilly Braun, de Chico Buarque e Edu Lobo, entre elas Maria Rita, hoje a mais popular cantora de MPB no país. Uma ótima música, como outras tantas na carreira dos dois compositores. Mas porque todas gravarão a mesma? Leitor, te antecipo que nenhuma superará a gravação original de Gal Costa, nem mesmo a diva Mônica Salmaso, que tampouco deveria ter colocado essa no lindo repertório da Alma Lírica Brasileira. Nem mesmo a própria Gal Costa se igualaria hoje, ela que duelava nos anos 70 com uma tal de Elis Regina, com gravações memoráveis como a da suíte Gabriela, de Tom Jobim, muito antes de Festa do Interior.Outra cantora da "moda", Mariana Aydar, lançará uma versão de Nine Out Of Ten, de Caetano Veloso, música lado B da discografia do compositor. Surpreendente, Mariana foi buscar lá em Velô, nos anos 80, ou em Transa, nos anos 70? Nada disso, o próprio Caetano resgatou Nine Out Of Ten para o dvd ao vivo do disco de rock moderno Cê, lançado há não menos de 5 anos. E Mariana, antenada que é, pescou.E o que resta? O vazio ensurdecedor. A crítica musical se perdeu e abandonou a produção artística brasileira. O mesmo crítico de música pop é o que analisará o disco novo de Chico Buarque, com os mesmos olhos. Será que os críticos de música atuais conhecem música? O que será que eles consideram ao analisar um trabalho? Se as músicas do disco de Chico, como por exemplo a valsa russa Nina, têm potencial pop?Com os olhos da mídia vendados (e porque não amarrados), a esperança pode ser a internet, que há pouco tempo revelou Mallu Magalhães, gostem ou não. Será a internet capaz de tornar quem é realmente bom em relevante? Oremos.

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